Vagueamos na noite sem sentido e somos devorados pelo fogo
2019 - ongoing
Impressões jacto de tinta sobre papel Hahnemühle Baryta
140 x 93 cm | 100 x 67 cm | 80 x 53 cm | 40 x 60 cm
A produção destas imagens coincide com a época em que somos devorados por múltiplas catástrofes ecológicas à escala planetária. Não é, portanto, mera coincidência, que este projecto de Carina Martins adquira o seu título no palíndroma latino, In girum imus nocte et consumimur igni.
Estas fotografias não nascem da luz da razão instrumental moderna para se dirigir ao olhar humano num espaço cartesiano e solar, a sua origem deve antes ser procurada na penumbra e nos gradientes de escuridão. Remetem para uma arte de escrever às escuras, uma nictografia ou o apelo ao mínimo de luminescência. Aqui toda a matéria emite luz (biofosforescência). Uma visão nocturna captura a fonte de luz subtilmente disseminada pelas células, tornando possível vislumbrar a irradiação emitida por toda a matéria viva.
Dirigindo um repúdio crítico ao antropocentrismo secular, a fotógrafa aproxima-se de uma linhagem de autores ecosofistas, cujo pensamento e estética assinalam um ponto de convergência entre as artes, a literatura e a natureza. Tal como na escrita de Maria Gabriela Llansol, estas imagens procuram o fulgor, a energia da matéria vibrante e toda a vitalidade espontânea e imprevisível da natureza. Nesta modulação da voz e da poiesis, reverbera a valorização ontológica do não-humano. Como diz ainda Llansol, «vejo-me respirar, dar as minhas mãos e força às plantas e à terra, e, no fim, não me distingo do dia que passa». Esta é também a energia subtil que aflora destas imagens, como quem realiza o caminho inverso da luz para contemplar nas árvores uma existência soberana.
Texto: Rui Ibañez Matoso
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